quinta-feira, 20 de junho de 2019

Um ensaio sobre ensaios - Peter Burke

Michel Montaigne - criador do ensaio


Um ensaio sobre ensaios 
Peter Burke 

Quando o nobre francês Michel de Montaigne (1533-1592) publicou um livro intitulado "Ensaios", em 1580, estava iniciando uma longa e rica tradição, fundando um gênero literário e explorando uma mina intelectual que, se não inesgotável, de qualquer modo ainda permanece inesgotada. A idéia de publicar um volume de pequenas composições sobre uma variedade de assuntos, de canibais a carruagens e dos versos de Virgílio à educação das crianças, não era nova, embora a escolha dos tópicos por Montaigne, e sobretudo dos títulos, fosse altamente individual e idiossincrática. Pelo século 16 era perfeitamente normal para os autores publicarem coleções de pequenos estudos, quer os descrevessem como "miscelânea", como "discursos", ou seja, falas mais ou menos informais, ou mesmo como "florestas", nas quais o leitor pudesse vagar à vontade. O que era novo no caso de Montaigne era seu título. Na época, os escritores levaram algum tempo para seguir seu exemplo, embora Francis Bacon (1561-1626) tenha publicado um volume de "Ensaios" em 1597. Foi quase um século após Montaigne que livros com esse título começaram a se multiplicar, primeiro em inglês e francês e depois em italiano, espanhol, alemão e português. 
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Os italianos escolheram o termo "saggio", os espanhóis, por fim, "ensayo", enquanto os alemães hesitaram entre "Versuch" e "Beitrag" (e hoje preferem às vezes o vocábulo inglês "essay"). O auge da moda dos ensaios foi provavelmente no século 19 e no início do século 20. Intelectuais da estatura de John Stuart Mill, Hippolyte Taine, William James, Sigmund Freud e Pío Baroja contribuíram todos para o gênero. No caso do Brasil, pensa-se nos "Ensaios de Crítica Parlamentar" (1883), de Sílvio Romero, no "Ensaio sobre a Música Brasileira" (1928), de Mário de Andrade, e sobretudo nas obras de Gilberto Freyre. Freyre foi desde a adolescência, como mostrou recentemente Maria Lúcia Pallares-Burke, grande admirador do ensaio inglês, de Bacon e Hume a Walter Pater e G.K. Chesterton. Além de publicar várias coleções de pequenos estudos, Freyre insistia em descrever "Casa Grande & Senzala", "Sobrados e Mucambos" e "Ordem e Progresso" (apesar do tamanho deles) como "ensaios". O que se queria dizer com esse termo? 

Montaigne escolheu-o em parte por modéstia ou uma afetação de modéstia, alegando que o que publicara eram simples "tentativas" literárias (o sentido original do termo francês "essai"). Elas eram o equivalente literário dos esboços de um artista. Eram informais, informes mesmo, próximas à língua falada, mais para exemplos de conversa do que produtos literários acabados. Não espanta, assim, que o primeiro tradutor de Montaigne para o italiano tenha preferido o título tradicional "Discursos" ("Discorsi"). Mas, ao escolher esse título, Montaigne estava pensando tanto no conteúdo quanto na forma de seu livro. Ele apresentava-se como quem simplesmente pensa em voz alta, talvez para ser capaz de referir aos censores católicos -que de fato expurgaram seu livro e mesmo o baniram da Espanha- que não se comprometia seriamente com tudo o que dizia no livro. Ou talvez porque quisesse arrancar seus leitores de suas confortáveis conjeturas sobre o mundo, porque pensava que a certeza era impossível e que todos nós, filósofos inclusive, somos incapazes de alcançar qualquer conclusão firme. Convicções provisórias Assim, todas as nossas convicções são provisórias, todos os nossos escritos são uma forma de pensar em voz alta, todas as nossas figuras mentais são esboços carentes de infinita modificação. Montaigne, que escolheu como mote pessoal a pergunta "o que sei?", encontrara a forma perfeita não somente para levar a melhor sobre os censores, mas também para expressar sua particular visão de mundo.

Porém essa própria forma pessoal transformou-se gradualmente num gênero literário, e, como ocorre tantas vezes na história das idéias, de Cristo a Calvino, Marx e além, muitos discípulos divergiram de seu mestre quando acreditavam seguir seu exemplo. O termo "ensaio" passou a significar não somente um escrito de dimensões reduzidas, mas também um escrito ligeiro e possivelmente superficial, uma expressão de opinião que não se baseia em pensamento rigoroso nem pesquisa extensiva, uma discussão de um tópico que pode parecer trivial, um estudo fácil de ler e também fácil de escrever, produzido para uma determinada ocasião, como uma coluna de jornal, sem muita esperança de ser lembrado uma semana mais tarde.

Montaigne, cujo mote era "o que sei?", encontrara a forma perfeita não somente para levar a melhor sobre os censores, mas também para expressar sua particular visão de mundo



Para alguns ensaístas, entretanto, o apelo do ensaio é mais profundo por acreditarem, a exemplo de Montaigne -se não interpretei mal suas intenções-, que poucas convicções se baseiam em fundamentos tão firmes que não tenham de ser modificadas ao longo do tempo. Um campo no qual o termo "ensaio" não perdeu seu poder original de chocar é o da história. Em meados do século 19, não muito após Leopold von Ranke (1795-1886) proclamar o ideal da história profissional, a história objetiva baseada em documentos oficiais preservados em arquivos, Jacob Burckhardt publicou seu livro sobre "A Civilização do Renascimento na Itália". O subtítulo do livro era curto, mas expressivo: "Um Ensaio" ("ein Versuch").

Ele deixou bem claras as razões para escolher esse subtítulo na introdução do livro, que começa com a frase: "Essa obra leva o título de mero ensaio no sentido estrito da palavra", e prossegue sustentando que "a cada olho, talvez, os contornos de uma dada civilização apresentam uma figura diversa" e que "os mesmos estudos que serviram a esse trabalho podem facilmente, em outras mãos (...), conduzir a conclusões essencialmente diversas".

Tal como para Freyre, há inúmeras razões para sua insistência em descrever suas obras históricas como "ensaios". Era um meio de distanciá-lo dos historiadores profissionais e afirmar sua identidade como um homem de letras. Era um modo de justificar sua escolha de tópicos aparentemente triviais como a história do mobiliário e da comida, bem como sua decisão de expressar suas opiniões pessoais em estudos sobre seu amado Pernambuco em vez de fingir ser objetivo. Era também um meio de chamar a atenção para aquilo que, com uma característica metáfora visual, Freyre gostava de chamar seu "impressionismo", seu foco em vivos detalhes concretos da vida cotidiana.

Hoje esse impressionismo pode parecer aos leitores como "pós-moderno". A harmonia entre seu modo de escrever e algumas tendências culturais correntes é sem dúvida uma das razões pelo renovado interesse atual em Freyre. Por razões análogas, pode-se prever um ressurgimento do ensaio. Que aliás já teve início, não tanto na literatura quanto na história e no que costumava ser conhecido como "ciências sociais". Clifford Geertz na antropologia, Richard Rorty na filosofia e Carlo Ginzburg na história demonstraram todos tanto o apelo quanto o valor do ensaio.

O estadista francês Georges Clemenceau disse certa feita que a guerra era importante demais para ser deixada aos generais. Talvez se possa sustentar que o ensaio é importante demais para ser deixado aos ensaístas profissionais. É um gênero associado tanto a uma forma de ler quanto a uma forma de escrever. O modo ensaístico de ler, que pode ser praticado numa vasta gama de livros, desconfia de afirmações grandiosas ou aparentemente objetivas, buscando o caso individual por trás da generalização ou o preconceito por trás da máscara da imparcialidade. Pode-se resumi-lo numa pergunta: o que sabemos?


Peter Burke é historiador inglês, autor de "Variedades de História Cultural" (ed. Civilização Brasileira) e "O Renascimento Italiano" (ed. Nova Alexandria), entre outros. Ele escreve mensalmente na seção "Autores", do "Mais!".

Tradução de José Marcos Macedo.

sábado, 19 de janeiro de 2019

Corrigir redação com prazer


sábado, 10 de junho de 2017

Paralelismo sintático


Walter Rossignoli*
walter.rossignoli@bol.com.br

            Ao escrevermos nossos textos, com a preocupação de afiná-los à norma culta, devemos estar atentos ao paralelismo sintático. Mas o que seria isso?

Como o próprio nome diz, estamos falando de estruturas sintáticas, mas – ainda que não sejamos tão hábeis na análise sintática – um pequeno alerta para situações corriqueiras da estrutura frasal pode ser facilmente compreendido.

Primeiramente, lembramos que estruturas paralelas são aquelas que preservam a mesma forma linguística (mais especificamente, a mesma flexão). Dois elementos que se adicionam, alternam-se ou se opõem devem apresentar flexões idênticas, ou seja, para sentidos iguais, empregamos formas iguais.

Vamos à explicação de alguns casos.  Digo eu, por exemplo, algo assim: “Desejo QUE VOCÊ ESTUDE MUITO e TAMBÉM UMA ÓTIMA PROVA”; fica nítido que os destaques são de mesma natureza (ambos são objetos diretos do verbo “desejar”, mas se apresentam sob formas diferentes: oração,  no primeiro caso (v. estude),  e nome, no segundo (s. prova). Faltou paralelismo. Ajeitemos, então, das seguintes maneiras: 1. Desejo que você estude muito e também (que) faça uma ótima prova; 2. Desejo-lhe muito estudo e também uma ótima prova.

Vejam a sequência: “Não é raro que nos visitem nem que  nos tragam presentes.” “Não é raro que nos visitem ou nos tragam presentes.”   “Não é necessário que os   presenteiem, mas que os visitem.”  Observem que as sequências introduzidas pelos conectores NEM, OU e MAS apresentam a forma verbal no presente do subjuntivo, assim como ocorre na oração anterior, às quais se unem.  A quebra do paralelismo produziriam algo como “Não é raro que nos visitem e nos trazerem presentes”.

Pensemos, agora, em algo como “Lucinha é feliz POR VIVER EM PAZ e PORQUE POSSUI MUITA FÉ EM DEUS”.   Os destaques se somam, mas as flexões não se ajustam (VIVER é infinitivo,  e  POSSUI é presente do indicativo). Ajustemos das seguintes formas: 1. Lucinha é feliz por viver em paz e possuir muita fé em Deus; 2. Lucinha é feliz porque vive em paz e possui muita fé em Deus.

Propomos, nos parágrafos seguintes, mais alguns exemplos, com as possíveis reconstruções:

Carlos é um atleta PONTUAL e  QUE SE APLICA NOS TREINOS. (Faz-se uma adição com “e que”, mas o “que” não aparecera antes. Vejam as reconstruções: 1. Carlos é um atleta pontual e aplicado nos treinos; 2. Carlos é um atleta pontual, que se aplica nos treinos.).

Quando Carlos CHEGOU e ao VER que o síndico estava, como de costume, atrasado, fez uma ironia, mas sentou-se e esperou tranquilamente pelo início da reunião. (As ideias de tempo se adicionam, mas as formas verbais não se harmonizam: “chegou”  e “ver” . Ajustemos: 1. Quando Carlos chegou e viu  que o síndico estava, como de costume,  atrasado...  2. Carlos, ao chegar e ver que o síndico, estava, como de costume, atrasado, ...

Se você CHEGAR mais cedo e caso VEJA o nosso regente, justifique-lhe meu possível atraso. (CHEGAR e VEJA – tempos distintos – somam-se em orações condicionais; faltou, portanto, paralelismo, corrigível assim: 1. Se você chegar mais cedo e vir o nosso regente, justifique-lhe...

 2. Caso você chegue mais cedo e veja o nosso regente, justifique-lhe...
ABRIGANDO os mais aflitos ou quando ORAVA por eles, aquele benfeitor estava sempre mais próximo de Deus... (ABRIGANDO e ORAVA – formas que se alternam – não se harmonizam nas flexões. Apliquemos o paralelismo:  1. Abrigando os mais aflitos ou orando por eles... 2. Quando abrigava os mais aflitos ou orava por eles..).

O “Manual de redação da presidência da República” (1991) rotula construções não paralelísticas como erradas.  Por outro lado, Othon Moacyr Garcia, na célebre obra “Comunicação em prosa moderna” (1980), escreve: “[...] o paralelismo não constitui uma norma rígida; nem sempre é, pode ou deve ser levado à risca, pois a índole e as tradições da língua impõem ou justificam outros padrões. Trata-se, portanto, de uma diretriz, mas diretriz extremamente eficaz, que muitas vezes saneia a frase, evitando construções incorretas, algumas, inadequadas, outras”.

Como se vê,  vale  a pena, na escrita, observar com bastante atenção as estruturas paralelas...


* Walter Rossignoli é professor de língua portuguesa no IF Sudeste MG; publicou a obra “Manual de Ortografia”, pela Ciência Moderna.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Memorizar as mudanças do acordo

Hélio Consolaro*


A partir de 1.º de janeiro de 2016, usar as mudanças decorrentes do Acordo Ortográfico passa a ser obrigatório no mundo lusófono.

Houve mudanças na acentuação e no emprego do hífen para que houvesse uma uniformidade ortográfica entre os países que usam o português como idioma oficial.  

Memorizar as mudanças - sempre que houver dúvidas, fazer uma consulta ao acordo. Há muitas publicações a respeito, principalmente na internet. A memorização se faz com mais facilidade pelo uso.

As dificuldades de memorização incidem nas pessoas de faixa etária mais avançada, que não  sabiam bem quais  eram as regras anteriores, portanto, para aprender as mudanças precisam estudar tudo novamente. 

Essas pessoas, se não forem profissionais que precisam do uso correto da escrita, podem ter o luxo de ignorar as mudanças.  Elas não atingiram  5% das palavras, portanto, não vão dificultar a leitura.

No Brasil, a adesão já foi total. Quem resistiu mais foram os portugueses porque a mudança foi mais abrangente. O acordo ortográfico entre os brasileiros não é mais novidade, é procedimento consolidado.

A mudança foi apenas para atender ao mercado editorial, para que livros e jornais tivessem uma edição só no mundo lusófono. Para, nos anais de eventos internacionais, pôr suas conclusões no português do Brasil e no português de Portugal. Para ser como no espanhol e no inglês, na escrita, um idioma só.  Não foi uma reforma, houve mudanças decorrentes de um acordo entre os países lusófonos.



quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Último telegrama - crônica de uma morte anunciada

Folha de São Paulo - caderno Ilustríssima, 22/09/2013 

Crônica de uma morte anunciada



Arquivo de Keli de Freitas
RESUMO Tido como moribundo desde a invenção do telefone, o telegrama voltou ao noticiário com a extinção do serviço na Índia, em julho de 2013. No Brasil, porém, os envios, já adaptados aos recursos on-line e sem as restrições de linguagem que eram características desse meio de correspondência, crescem e bateram recorde em 2012.

ALEXANDRE RODRIGUES
*

Uma onda de nostalgia correu o mundo quando os correios da Índia anunciaram, em julho, o envio do último telegrama no país. Depois de prejuízo nos últimos anos e enfrentando a concorrência dos celulares, o governo local decidiu encerrar o serviço, que funcionava no país desde 1850.

Então todos se puseram a lembrar de uma tecnologia considerada moribunda. A agência Euronews noticiou que aquele seria o último telegrama no mundo, enquanto o jornal inglês "The Guardian" afirmava que a Índia era o lugar derradeiro onde as pessoas ainda enviam telegramas. No Brasil, no entanto, esse meio de comunicação está muito vivo, e a Empresa de Correios e Telégrafos não tem planos de acabar com o serviço.
Em 2012, foram quase 20 milhões de telegramas enviados, um recorde 15% superior aos 17,4 milhões de 2011. Saíram de cena os telegramas de pêsames, declarações de amor e de aniversário para dar lugar às mensagens comerciais e comunicados da Justiça. Hoje, o serviço é usado basicamente por empresas, e a maioria das postagens, segundo os Correios, é feita via internet. Apenas 10% dos dez milhões de telegramas enviados de janeiro a julho foram preenchidos no balcão, à moda antiga; os telegramas fonados representam número ainda menor: 1,5% do total.

"O telegrama soube se modernizar", diz o historiador Romulo Valle Salvino, chefe do Departamento de Gestão Cultural dos Correios, em Brasília. "É um serviço que ainda atinge muita gente, por oferecer a garantia de que a mensagem foi entregue. Em qualquer tecnologia nunca se deve esquecer o fator cultural, e isso funcionou no Brasil."

Dez anos atrás, não seria descabido apostar no fim do serviço. Mesmo depois de os Correios criarem uma agência virtual em seu site, em 1998, permitindo pela primeira vez o envio pela internet, os números caíam ano após ano, com a concorrência do e-mail e do celular, até que em 2003 a tecnologia tocou o fundo do poço: apenas 6,8 milhões de telegramas foram enviados no país. Desde então, porém, com a facilidade de envio pela internet, os telegramas recuperaram terreno. Já em 2004 foram 10,6 milhões. Nos anos seguintes, as postagens continuaram aumentando, mas de 2011 para 2012 houve um salto, passando de 17.480.543 para 19.978.539.

A atriz Keli Freitas mostra itens de sua coleção de telegramas

PERSISTÊNCIA

Os números revelam a persistência de um serviço que há mais de um século, desde a invenção do telefone, tem sua morte seguidamente anunciada a cada nova tecnologia que nasce.

Mesmo que desde o século 16 já existissem no Brasil os chamados telégrafos óticos -sistemas que enviavam mensagens à distância através de bandeiras e outros recursos visuais-, foi em 1852 que o imperador dom Pedro 2º inaugurou a primeira linha do telégrafo, oito anos depois da primeira transmissão, nos Estados Unidos, pelo americano Samuel Morse.

O objetivo era ajudar a combater o tráfico de escravos, proibido desde 1850. Mas o telégrafo acabou sendo fundamental mesmo na Guerra do Paraguai (1864-70), transmitindo informações do campo de batalha para a Corte no Rio; e de lá, instruções para as tropas.

Em 1874, um cabo submarino ligou o nordeste do Brasil a Portugal, iniciando as transmissões internacionais. Surgia a primeira rede mundial de transmissão de dados em alta velocidade.

"Foi a maior revolução nas comunicações desde o desenvolvimento da imprensa escrita", diz o escritor inglês Tom Standage, autor de "The Victorian internet: the Remarkable Story of the Telegraph and the Nineteenth century's On-line Pioneers" (a internet vitoriana: a notável história do telégrafo e dos pioneiros on-line do século 19; St. Martins Press, R$ 50,60, 240 págs.).

O impacto do telégrafo sobre as comunicações da época foi, segundo Standage, muito maior do que do e-mail ou o de qualquer outra tecnologia moderna. Se por milênios a rapidez da troca de mensagens era lenta e dependente da velocidade de homens e cavalos, com os cabos telegráficos centenas de quilômetros passaram a ser percorridos em minutos.
"Hoje em dia é difícil imaginar a revolução para os negócios que foi o telégrafo", explica o historiador Valle. "Até então, se alguém queria encomendar algo, o pedido ia de navio e levava 40 dias na travessia do oceano até Portugal. Depois era o tempo de o navio ser abastecido e mais 40 dias na travessia de volta.
Qualquer negócio levava meses."

LITERATURA

A literatura da época registrou a novidade. No romance "O Moço Loiro", de Joaquim Manuel de Macedo, de 1845, aparece a torre do telégrafo visual inventado pelo francês Claude Chappe -um sistema de braços mecânicos que formavam sinais interpretados como letras de alfabeto, no morro do Castelo, no Rio.
Machado de Assis escreveu mais de uma crônica sobre o telégrafo. Primeiro desancando a invenção, como na vez em que chama os telegramas de "logro", protestando contra a imprecisão do conteúdo em comparação com as cartas (revista "Ilustração Brasileira", 15 de agosto de 1877). Mais tarde, reconhece a rapidez do meio em informar a morte do maestro Carlos Gomes, em 1896 ("A Semana", edição de 20 de setembro daquele ano).

Também é com a chegada de um telegrama, comunicando a morte da mãe do protagonista, que começa o romance "O Estrangeiro", de Albert Camus. E, às vezes, telegramas da vida real veicularam exercícios quase poéticos, como numa troca de mensagens entre Victor Hugo e seu agente. Em 1862, autoexilado na ilha de Guernsey e querendo saber como andavam as vendas de seu novo "Os Miseráveis", Hugo telegrafou apenas: "?". E o agente respondeu: "!".

No Brasil, o serviço de telegramas ainda foi importante para integrar o território com as missões do marechal Cândido Rondon, que espalhou 8.000 quilômetros de cabos telegráficos nas primeiras décadas do século 20, ligando as regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste à capital. Só no fim dos anos 1970, quando começaram as transmissões via satélite, os postes foram sendo abandonados.

Hoje, com a internet, todas as mensagens são primeiro processadas no Centro Corporativo de Dados dos Correios, em São Paulo, e depois passam por um dos Centros de Serviços Telemáticos, em São Paulo, Rio e Minas Gerais, que formatam o arquivo e enviam para impressão na agência mais próxima do destinatário.

Com as mudanças no processamento, expressões como a corrente "PT SAUDACOES", que entrou para o vocabulário popular, já não comparecem. Tampouco há mais necessidade de escrever abreviaturas e nem os famosos "AMANHAN" e "ATEH" da linguagem telegráfica, já que a cobrança não é por caracteres -cada telegrama nacional sai por R$ 6,64.

As proibições relativas ao conteúdo, porém, seguem reguladas por uma lei de 1978. Não se permite, por exemplo, enviar um telegrama com palavrões. O mesmo vale para "dizeres injuriosos, ameaçadores, ofensivos à moral, contrários à ordem pública ou com notícias reconhecidamente falsas".

COLEÇÃO

Embora as normas de correção tenham se mantido, dificilmente surgirá, nos telegramas de hoje, algo parecido ao dos exemplares de correspondência que a atriz e dramaturga Keli Freitas guarda em sua coleção no Rio.

São cerca de 50 itens, quase todos encontrados em meio a lotes de cartas. Um deles diz apenas: "SAUDADES PT AMOR PT". "O telegrama parece sempre ter um caráter de exceção por ter a ver com a urgência, e não com o andamento 'normal' da vida", diz a colecionadora, que começou em 2007 a guardar cartas, postais e telegramas e já acumula 2.000 itens -a carta mais antiga data de 1887.

As mensagens nem sempre são sentimentais. "ESTOU URUGUAYANA NAO POSSO SEGUIR MUITA CHUVA", comunica um morador do Rio Grande do Sul em 1948. Há o grave "FINESA INFORMAR RECEBEU NOSSO FONO DIA 19 CORRENTE E SI PROVIDENCIOU RESPEITO COMPRA CAMINHAO COM TOMBADEIRA SAUDACOES" e ainda a comunicação que pretendia ser informativa, mas soa demasiado humana: "TENHO MUITA VONTADE DE COMPRAR O CARRO MAIS SO TENHO CENTO E TRINTA MIL CRUZEIROS".

Keli anota frases como essas em um caderno e depois as transforma em carimbos -na página Carimbaria, que ela mantém no Facebook, há fotos de vários exemplos estampados em papel. Mesmo que, curiosamente, nunca tenha enviado um telegrama, a colecionadora lamenta que a maioria da população tenha deixado de lado essa forma de correspondência. "É uma memória que se perde", acredita.

Essa sensação nostálgica fez com que, na Índia, o anúncio do fim provocasse uma verdadeira corrida às agências de pessoas querendo enviar sua última mensagem à moda antiga.

Mas aquela que foi a derradeira mensagem transmitida causou comoção nas redes sociais, devido ao destinatário escolhido pelo Escritório Central dos Correios: o vice-presidente do Congresso, Rahul Gandhi, playboy ligado a uma família tradicional de políticos.

Como ironizou na internet um indiano, o telegrama, ao tornar-se uma relíquia, fará "Pappu ser famoso nos livros de história" -em hindi, Pappu, apelido pejorativo de Gandhi, significa "bobo".


Jô escreveu uma crônica engraçadíssima a respeito
de passar telegrama:

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Como fazer memorando


O memorando é uma comunicação escrita de consumo interno, somente para funcionários e operários. Não é tão formal quanto a carta comercial ou ofício, por isso dispensa tratamentos de "prezado senhor" e fechos como "atenciosamente", mas também não pode ser tão informal a ponto de ser mandados por eles abraços e beijos. "É um modo de comunicar políticas,decisões e instruções. Na atualidade, quando há uma rede de lojas ou repartições públicas, o memorando é passado como fac-símile (fax).
Difere da carta comercial e do ofício por ter circulação limitada ao âmbito da empresa, enquanto que a carta e o ofício destinam a interesses externos, a clientes, consulentes, representantes, fornecedores, autoridades.

Observações: a) Tratar um só assunto em cada memorando.
b) A empresa ou repartição poderá ter um impresso próprio para memorando, com diagramação adequada, logotipo.


FAC-SÍMILE(FAX)

Fax ou telefax funciona como um serviço de fotocópia à distância, ou seja, é um meio, não chega ser um tipo de correspondência. O ofício, a carta comercial, a circular, o memorando podem ser remetidos por fax.
Quando na empresa ou na repartição se dá o nome de fax ao memorando "para sua expedição pode ser utilizado formulário padronizado, que chega ao destinatário por cabo telefônico, ficando o original com o emissor. A comprovação do recebimento, pelo remetente, é feita pelo aparelho emissor que informa dia e hora de sua efetivação." (Comunicação Dirigida Escrita na Empresa, de Cleuza G. Gimenes Cesca.)
O fax pode ser usado em comunicação interna e externa. Por exemplo, a Delegacia de Ensino de Araçatuba recebe, por fax, da Secretaria de Estado da Educação uma orientação que deve ser remetida a todas as escolas. Para facilitar a comunicação, a delegada reproduz o documento em fotocopiadora e manda uma cópia do fax para cada diretor de escola.
O último telegrama

Quem já passou telegrama há tempos sabe como era uma mensagem resumida, retirando todos os termos acessórios da oração, porque o correio cobrava por palavras. Tuitar (apenas 140 caracteres por mensagem) é mais fácil do que telegrafar. Jô escreveu uma crônica engraçadíssima a respeito de passar telegrama:

http://beijaflorazul.blogspot.com.br/2007/05/da-difcil-arte-de-redigir-um-telegrama.html

O telegrama, uma forma popular de comunicação na Índia, deixou de existir no país asiático após a última mensagem, que foi enviada no dia 15 de junho de 2013.
Após 163 anos de existência na Índia, o telegrama sucumbiu diante das novas tecnologias, e o governo decidiu acabar com o serviço.

No Brasil, o telegrama foi criado no império de D. Pedro II (1857), mas continua existindo, pois foi submetido a um processo de mutação com a nova tecnologia.

No Brasil, entre 2007 e 2012, o volume anual de telegramas cresceu 39%, passando de 14,4 milhões para 20 milhões. No ano passado, 87% do fluxo foi eletrônico, 11,5% nas agências e menos de 3% foi por telefone - a forma original de envio.


A atual transmissão eletrônica é chamada de híbrida: os dados são captados pela web e depois a mensagem é impressa e envelopada por máquinas na agência mais próxima do destinatário, sem a intermediação humana. O preço mínimo é R$ 4,98 e varia conforme o número de páginas e serviços adicionais.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Como fazer ata - Hélio Consolaro


 Ata é um documento em que se registram resumidamente e com clareza as ocorrências, deliberações, resoluções e decisões de reuniões ou assembleias. Antigamente, o seu portador era um livro, um grande caderno, capa preta. Atualmente, elas são digitadas, impressas e arquivadas em pastas. Ou, então, apenas digitadas e arquivadas no próprio computador.
      Deve ser redigida de tal maneira que não seja possível qualquer modificação posterior. Para evitar isso deve ser escrita:
      - com margens dos dois lados (livro de ata) e formatadas em editor de texto que não permita alteração, como o PDF, por exemplo;
      - sem parágrafos ou alíneas (ocupando todo o espaço da página);
      - sem abreviaturas de palavras ou expressões;
      - com números escritos por extenso;
      - sem rasuras nem emendas;
      - sem uso de corretivo
      - com verbo no tempo pretérito perfeito do indicativo;
      - com verbo de elocução para registrar as diferentes opiniões.

      Se o relator cometer um erro, deve empregar a partícula retificativa digo, como neste exemplo: “Aos vinte dias do mês de março, digo, de abril, de mil de dois mil e treze...”
      Quando se constatar erro ou omissão depois de lavrada a ata, usa-se a expressão “em tempo”: “Em tempo: onde se lê março, leia-se abril”.
Partes da ata:
·       Data, horário, local e objetivos;
    Usar primeiro (ordinal, para indicar o 1.º dia de cada mês)
·       Nome do presidente da reunião e de quem a secretariou;
·       Pessoas presentes. Se for um grupo pequeno, citá-las nominalmente;
·       Relato da reunião propriamente dita. A parte principal do documento;
·       Encerramento.
OBSERVAÇÃO: há entidades, empresas ou repartições em que todos assinam a ata, após sua leitura em reunião posterior; outras, anexam lista de presença e secretário e presidente assinam-na. Depende muito de decisão do colegiado.  

Modelo de ata
      Data, horário, local e objetivos
      Aos quatorze dias do mês de outubro de mil novecentos e noventa e seis, com início às vinte horas, no salão de festas da Escola Estadual Duque de Caxias, sita na Avenida Tocantins, número duzentos e doze, Porto alegre, realizou-se uma reunião de todos os alunos da oitava série da escola, com o objetivo de preparar as festividades de conclusão do primeiro grau.
      O presidente, a secretária da reunião e as pessoas presentes
      A reunião foi presidida pelo líder da oitava série A, José Luís Lousada, tendo como secretária a líder da oitava série B, Andréia Passos. Contou com a participação de oitenta e dois alunos, dos professores conselheiros das três turmas e da vice-diretora, Fabíola Barreto.
      Relato da reunião propriamente dita.
      Inicialmente, José Luís Lousado solicitou à vice-diretora que comunicasse as providências administrativas e o andamento legal referente ao término do primeiro grau. Foi esclarecido que os alunos de oitava série encerrariam o ano e fariam as recuperações juntamente com os demais alunos da escola, e que a direção pensava oferecer um coquetel no encerramento do ano letivo para alunos e professores da oitava série, ocasião em que os alunos receberiam o histórico escolar. A data para isso deveria ser escolhida nesta reunião. Após ouvir variadas sugestões e opiniões, o presidente da reunião solicitou que fossem votados dois itens: a escolha da data e se a entrega dos históricos escolares teria a presença dos pais, com homenagem a alguns professores. Alguns alunos inscreveram-se para defender diferentes pontos de vista sobre a conveniência ou não de se realizar uma reunião formal no encerramento do primeiro grau. Após debatidas as idéias apresentadas, José Luís Lousado encaminhou a votação, que obteve o seguinte resultado: cerimônia formal para entrega dos históricos escolares e posterior coquetel: cinqüenta e sete votos favoráveis e vinte e cinco contra; entrega informal com coquetel; vinte e cinco votos favoráveis e cinqüenta e sete contra. Em seguida, apreciadas as datas sugeridas, foi escolhido por unanimidade, o dia quinze dezembro para a realização do evento, com início às vinte horas.
      Encerramento
      Nada mais havendo a tratar, foi lavrada a presente ata, que vai assinada por mim, Andréia Passos, secretária, pelo presidente da reunião, pela vice-diretora e pelos professores e alunos presentes.