sábado, 10 de junho de 2017

Paralelismo sintático


Walter Rossignoli*
walter.rossignoli@bol.com.br

            Ao escrevermos nossos textos, com a preocupação de afiná-los à norma culta, devemos estar atentos ao paralelismo sintático. Mas o que seria isso?

Como o próprio nome diz, estamos falando de estruturas sintáticas, mas – ainda que não sejamos tão hábeis na análise sintática – um pequeno alerta para situações corriqueiras da estrutura frasal pode ser facilmente compreendido.

Primeiramente, lembramos que estruturas paralelas são aquelas que preservam a mesma forma linguística (mais especificamente, a mesma flexão). Dois elementos que se adicionam, alternam-se ou se opõem devem apresentar flexões idênticas, ou seja, para sentidos iguais, empregamos formas iguais.

Vamos à explicação de alguns casos.  Digo eu, por exemplo, algo assim: “Desejo QUE VOCÊ ESTUDE MUITO e TAMBÉM UMA ÓTIMA PROVA”; fica nítido que os destaques são de mesma natureza (ambos são objetos diretos do verbo “desejar”, mas se apresentam sob formas diferentes: oração,  no primeiro caso (v. estude),  e nome, no segundo (s. prova). Faltou paralelismo. Ajeitemos, então, das seguintes maneiras: 1. Desejo que você estude muito e também (que) faça uma ótima prova; 2. Desejo-lhe muito estudo e também uma ótima prova.

Vejam a sequência: “Não é raro que nos visitem nem que  nos tragam presentes.” “Não é raro que nos visitem ou nos tragam presentes.”   “Não é necessário que os   presenteiem, mas que os visitem.”  Observem que as sequências introduzidas pelos conectores NEM, OU e MAS apresentam a forma verbal no presente do subjuntivo, assim como ocorre na oração anterior, às quais se unem.  A quebra do paralelismo produziriam algo como “Não é raro que nos visitem e nos trazerem presentes”.

Pensemos, agora, em algo como “Lucinha é feliz POR VIVER EM PAZ e PORQUE POSSUI MUITA FÉ EM DEUS”.   Os destaques se somam, mas as flexões não se ajustam (VIVER é infinitivo,  e  POSSUI é presente do indicativo). Ajustemos das seguintes formas: 1. Lucinha é feliz por viver em paz e possuir muita fé em Deus; 2. Lucinha é feliz porque vive em paz e possui muita fé em Deus.

Propomos, nos parágrafos seguintes, mais alguns exemplos, com as possíveis reconstruções:

Carlos é um atleta PONTUAL e  QUE SE APLICA NOS TREINOS. (Faz-se uma adição com “e que”, mas o “que” não aparecera antes. Vejam as reconstruções: 1. Carlos é um atleta pontual e aplicado nos treinos; 2. Carlos é um atleta pontual, que se aplica nos treinos.).

Quando Carlos CHEGOU e ao VER que o síndico estava, como de costume, atrasado, fez uma ironia, mas sentou-se e esperou tranquilamente pelo início da reunião. (As ideias de tempo se adicionam, mas as formas verbais não se harmonizam: “chegou”  e “ver” . Ajustemos: 1. Quando Carlos chegou e viu  que o síndico estava, como de costume,  atrasado...  2. Carlos, ao chegar e ver que o síndico, estava, como de costume, atrasado, ...

Se você CHEGAR mais cedo e caso VEJA o nosso regente, justifique-lhe meu possível atraso. (CHEGAR e VEJA – tempos distintos – somam-se em orações condicionais; faltou, portanto, paralelismo, corrigível assim: 1. Se você chegar mais cedo e vir o nosso regente, justifique-lhe...

 2. Caso você chegue mais cedo e veja o nosso regente, justifique-lhe...
ABRIGANDO os mais aflitos ou quando ORAVA por eles, aquele benfeitor estava sempre mais próximo de Deus... (ABRIGANDO e ORAVA – formas que se alternam – não se harmonizam nas flexões. Apliquemos o paralelismo:  1. Abrigando os mais aflitos ou orando por eles... 2. Quando abrigava os mais aflitos ou orava por eles..).

O “Manual de redação da presidência da República” (1991) rotula construções não paralelísticas como erradas.  Por outro lado, Othon Moacyr Garcia, na célebre obra “Comunicação em prosa moderna” (1980), escreve: “[...] o paralelismo não constitui uma norma rígida; nem sempre é, pode ou deve ser levado à risca, pois a índole e as tradições da língua impõem ou justificam outros padrões. Trata-se, portanto, de uma diretriz, mas diretriz extremamente eficaz, que muitas vezes saneia a frase, evitando construções incorretas, algumas, inadequadas, outras”.

Como se vê,  vale  a pena, na escrita, observar com bastante atenção as estruturas paralelas...


* Walter Rossignoli é professor de língua portuguesa no IF Sudeste MG; publicou a obra “Manual de Ortografia”, pela Ciência Moderna.

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